Isabella adorava aquelas noites de Verão. Soprava uma brisa quente e os seus cabelos esvoaçavam numa melodia de notas musicais. A lua estava baixa, era uma daquelas luas que parecem tiradas de um postal. O mar estava sereno, parecia um espelho que reflectia os sonhos da lua, estava sarapintado com uma chuvinha de estrelas que esta lhe lançava e apenas o horizonte os separava... O mar estava tão calmo que parecia ser a continuação do céu, parecia que faziam parte um do outro, cada um um deles poderia ver o passado e o futuro no outro, como se tudo se completasse, como se não existisse nem inicio, nem fim... Para Isabella a vida começava e acabava ali.
Francisco afagou-lhe o cabelo, Isabella olhou para ele e viu nos seus olhos verdes, reflectida a sua vida, naqueles olhos que tanta ternura lhe transmitiam, abraçou-o profundamente.
Atrás o mundo dormia...
O abraço unificou-os e ambos sentiam ser parte um do outro, cada um reflectia o seu passado e futuro no outro, tudo se completava, não existia nem inicio, nem fim.
Isabella sentia um manto de aconchego quando se aninhava nos braços de Francisco.
Ficaram horas a conversar naquela praia, de fantasias, sonhos, receios, o tempo parecia ter parado como se uma objectiva tivesse captado aquele momento para sempre ou um pintor o tivesse eternizado numa tela pintada a aguarelas.
Isabella olhava para Francisco, ouvia-o com um sorriso nos lábios e fitava os seus olhos como se mergulhasse no seu livro de aventuras. Francisco passava-lhe a mão pelos cabelos e inalava o cheiro do seu shampô cujo o aroma flutuava em toda a praia.
A brisa soprou mais forte e Isabella encostou a cabeça no seu ombro pedindo o seu calor.
Francisco disse-lhe:
- Gosto da tua voz e de te ouvir falar. As tuas histórias transmitem sempre esperança, principalmente as da tua infancia...
- Agrada-me que me gostes de ouvir... sinto que posso abrir-te o meu livro até ao mais infimo pormenor. Gosto de partilhar a minha vida contigo. És muito querido e mostras interesse ao ouvir-me. Gosto muito de ti! - respondeu Isabella.
Neste momento, a brisa tornou-se vento e começou a soprar mais forte.
De repente o mar tornou-se agitado, o ar ficou gélido, apareceram nuvens escuras que taparam o luar e desapareceram as estrelinhas que salpicavam o mar.
À frente de Isabella e Francisco abeiraram-se grandes vagas que includiam na areia da praia. O vento tornou-se tão forte que arrancou Francisco dos braços de Isabella.
Isabella gritava e tentava não largar a sua mão, como se a sua vida dependesse daquele momento. Perderam-se as forças e Francisco foi levado pelo vento e engolido pelo ar na escuridão. Isabella fico só e gritava por ele desesperada!
Acordou aos gritos na cama com o suor a escorrer-lhe pela face e ouviu uma voz melodiosa dizendo-lhe:
- Tem calma querida, eu estou aqui, foi apenas um pesadelo!
Era Samuel, o seu marido, Isabella sossegou... Olhou em volta e viu que estava em casa, na sua casa, no aconchego do seu lar. As paredes estavam pintadas em cor de beije, as cortinas eram brancas e esvoaçavam suavemente pela brisa que entrava pela nesga da janela. Havia um espanta espiritos pendurado que emanava uma melodia suave composta pela luz de pirilampos. Isabella voltou a adormecer.
Quando amanheceu levantou-se e ouviu vozes de crianças.
- Mãmã, Mãmã, vamos jogar às escondidas no jardim!!!
- Esperem meus queridos, primeiro vamos tomar o pequeno almoço! - respondeu Isbella.
- Como está um dia de Primavera, vamos tomar o pequeno almoço no jardim. - sugeriu Samuel pegando nas duas crianças, Paulo e Inês, ao colo.
Isabella esboçou um sorriso que irradiava a paz que sentia naquele ambiente, agradou-lhe a ideia.
A familia, toda reunida, iniciou os preparativos com grande alegria. As crianças euforicas queriam pegar em tudo ao mesmo tempo, no pão, nos sumos, nos cereias e acabavam por tropeçar uma na outra, contagiando a casa de raios coloridos e jubilados.
Isabella olhava para todo o cenário e pensava "Esta é a minha casa, a minha familia. É neles que me encontro e me equilibro, é o meu mundo, o meu lugar..."
Samuel era um homem amável e atencioso que tratava Isabella como sua rainha e depositava nela todo a sua esperança na vida, todos os seus sonhos, todo o seu futuro. Havia-a abraçado à 12 anos atrás para percorrerem juntos o seu fado, unidos por um amor eterno.
Paulo tinha 6 anos e Inês tinha 4 eram ambos crianças amaveis e divertidas com aquela vivacidade que só as crianças têm e que se vai perdendo à medida que se cresce e desaparece à medida que se envelhece. Os seus olhares iluminavam a estrada de Isabella e de Samuel.
"Sim, este é o meu lugar!", pensou, novamente Isabella, colhendo três rosas vermelhas e colocando-as numa jarra para fazer de enfeite à mesa de ferro do jardim.
O pequeno almoço decorria animado com as crianças a recordarem as suas aventuras do dia anterior na piscina. Samuel ria com as suas observações e Isabella observava divirtida, o entusiasmo das duas crianças.
Levantou-se e foi à cozinha buscar mais pão olhou de soslaio pela janela e viu umas nuvens cinzentas a caminharem na direcção do jardim, abeirou-se da janela e gritou:
- Samuel! Meninos! É melhor terminarmos o pequeno almoço dentro de casa porque vai começar a chuviscar!
Fechou a janela, pousou o cesto do pão em cima da bancada e começou a ouvir uns pingos de chuva a baterem na vidraças. Primeiro, suavemente mas depois com uma intensidade que jamais tinha ouvido antes. Preocupada olhou novamente pela janela e viu o jardim da sua casa a ficar completamente inundado. As três rosas flutuavam agora ao pé da sua janela. Correu para a porta mas não a conseguia abrir. Gritou pelo marido e pelos filhos. Ouvia as suas vozes ao longe mas não os conseguia avistar. Isabella batia na porta, como se a sua vida dependesse daquele momento, tentava abri-la mas não tinha forças. Cada vez as vozes da sua familia se afastavam mais e mais... a água atingira já o nivel da janela da cozinha. Isabella deixou-se cair no chão...
Acordou a chorar...
Olhou em volta e viu o seu quarto. A penúmbra apenas era interrompida por um raio de luz que rasgava pela janela. As paredes cinzentas reflectiam a alma de Isabella. Ao seu lado jazia um vazio, estava sozinha.
Naquela altura era muito dificil a mulher conseguir a custodia dos filhos. Os homens é que sustentavam a casa e as mulherem não tinham quaisquer direitos. Samuel descobrira tudo, resolvera divorciar-se e Isabella fora afastada da familia, do seu rio e abandonada num qualquer afluente, poluido, cujas águas estavam estagnadas e enfermes e que emanavam um cheiro nauseabundo. Tudo porque, sem querer, sem nada procurar Isabella se havia apaixonado por Francisco naquele Verão.
Isabella chorava. Sentia-se culpada por tudo. Por ter deixado que aquela situação acontecesse. Por se ter enamorado e encantado por aquele homem, por se ter deixado envolver nos seus braços. Mas, a verdade era que nenhum homem a fazia sentir tão completa, tão enaltecida, tão amada. Naquele Verão haviam passado tardes e noites inteiras a conversar sob a lua com o mar como testemunha. Haviam marcado encontros secretos em paisagens que Deus lhes enviara para viverem o seu amor, para se encontrarem um no outro, para agarrarem estrelas e construiram galáxias.
Sim, é verdade que Isabella havia ponderado muitas vezes em deixar Samuel para viver aquele amor, tinha a nitida sensação que com ele encontraria a felicidade, a compleição, a plenitude...mas haviam as crianças... e ponderava o que era a felicidade? Se esta existia mesmo? Se ela só existe porque não damos valor às coisas e a figuramos nesta palavra desculpas para o que nos faz falta... se seria ela feliz com o Samuel? Com a sua familia? Se a felicidade não serão pequenos momentos que nos fazem sentir bem, pequenas particulas que temos de agarrar ao longo da vida. A felicidade plena existirá?... resolveu deixar aquele amor por viver e escolheu a felicidade que já conhecia, que tinha a certeza que podia viver...não podia abandonar o seu ninho por uma felicidade hipotética que não sabia algum dia se concretizaria...
Mas, agora, havia perdido tudo, o Samuel, os seus filhos...o Francisco...estava sozinha...
Bateram à porta, quem seria? Ninguem sabia que Isabella vivia ali, naquela cave de um prédio na parte velha da cidade. Abriu e não viu ninguem. Olhou para baixo e viu um embrulho. Rasgou o papel, era um livro! Começou a folhear e no meio vinha um bilhete onde estava escrito "Encontrei-te! Dar-te-ei para sempre a mão! A nossa história não tem inicio nem fim.. falta-me uma estrela para construir uma galáxia...". Isabella sentou-se no chão e percorreu na memória toda a sua história. Sorriu.