terça-feira, 29 de abril de 2008

Miragem

Tomei a liberdade de publicar este texto. Espero que Alguem não se importe...
"Foi quando a vi. Vinha ela a entrar a porta do prédio. Deslumbrante, vestia rosa e umas calças de ganga justas que deixavam ver as perfeitas formas do seu corpo.
O seu semblante era sereno, descomprometido, mas numa segunda análise parecia habitar nos seus olhos a profundidade do espírito. Reparei também na sua boca e nos seus lábios. Eram bonitos e sorriam para mim.
De pé, à espera do elevador, tentava manter uma distância de segurança, mas aquela mulher parecia ter um íman que me inebriava a alma. Começou a olhar para mim, aos poucos, como se procurasse compreender os meus pensamentos. E eu sentia-me bem, aconchegado, que a conhecia de longa data. Começava a ser difícil resistir àquela valsa de olhares.
Depois de uma eternidade à espera do elevador, que no entanto não me pareceu uma eternidade, eis que as portas se abrem. Fiz-lhe a pergunta mais inteligente que se pode fazer a uma pessoa quando espera um ascensor no rés do chão, num prédio que não tem cave: “Vai subir?”. Respondeu-me que sim e pedia-me que marcasse para o 6.º andar. Ela para lá que eu ia. Era estranho, pois os andares eram únicos, com um só proprietário, e nunca a vira por ali. Poderia ser uma visita, uma cliente, uma familiar…Mas tinha um forte pressentimento que não seria nada disso…Cheirava-me a aparição, a estrela cadente, a uma luz que me encadeara o raciocínio. Via um anjo que se atravessara de rompante na minha vida. Agora comunicávamo-nos por leves toques que dávamos devido ao pequeno espaço a que estávamos confinados. Desejei que ficássemos ali presos durante horas, que me permitisse conhecê-la, conversar, abraçá-la…Todas estas sensações eram novas para mim, assaltava-me um sentimento de desejo muito forte, combinando o físico e o psicológico. Mas eu não a conhecia…Findámos o nosso breve percurso e saímos. Finalmente, ganhei coragem e perguntei-lhe quem era, o que queria…Porquê tamanhos olhares e porque é que os nossos momentos de silêncio foram tão preenchidos de pensamentos?!
Respondeu-me que sempre estivera em mim e que só agora nos havíamos encontrado.
Olhei para ela e só vi um verdadeiro anjo que acabara de esbarrar na minha condição de ser humano.

Porque é que por vezes nos cruzamos com pessoas que, afinal, conhecemos desde sempre? Porque é que existe uma relação para além do racional entre certas pessoas? O que nos leva a sentirmo-nos mais atraídos por umas pessoas do que por outras? Nunca perguntei nada disto ao Joaquim, ao meu grande amigo Joaquim. Tinha estudado para cientista e nunca achara a fórmula mágica para o seu próprio amor. Disse em tempos que a química poderia explicar algumas reacções físicas do nosso corpo. Mas até hoje fiquei na dúvida. Não sabia se estaria a brincar comigo…
Tive vontade de lhe telefonar para que me debitasse a teoria de algum alemão ou japonês, daqueles sobredotados da ciência, e que me fizesse entender como tudo se passa dentro do nosso corpo humano, da nossa mente…

Senti que naquele elevador a minha respiração me havia traído e que o meu olhar me tinha denunciado. A minha linguagem corporal não obedecera ao que o meu cérebro lhe ordenava. Que ficasse quieto e sereno, que prosseguisse a minha vida e que não me deixasse atrair por aquele vulto celestial. Tudo isso me metia confusão e, eventualmente, só o Joaquim me poderia ajudar. Telefono, mas vai para o voice mail... Ainda não é hoje que ouço a brilhante explicação da Ciência!É de madrugada e estou no trânsito da enorme artéria citadina. Parte da minha cidade ainda se aconchega aos cobertores, mas naquele dia eu havia repelido, bem cedo, os lençóis da minha cama. A sinfonia ordenada de bocejos passa de carro para carro...As pessoas não conversam e deixam-se olhar para o infinito...entre um bocejo e outro. Onde está a química entre aqueles casais que vou observando? Foi sugada pelo quotidiano do trabalho e da rotina? Talvez...
De um breve soslaio, reparo na mulher que me havia de novo feito sonhar num pequeno elevador. Jovem, confiante, lá vai ela, nada a abala. E, contudo, o seu semblante continua sereno, serenando o meu. Havia caído o sinal vermelho e saio do carro. Chamo-a e corro em sua direcção. Não a encontro...Perdi-a ao dobrar da esquina, na lomba da curva. Ela existe, quem é? Terei sonhado? Ninguém consegue desaparecer tão rapidamente.

Olho para o chão e vejo um lenço caído. Apanho-o. Tem o seu perfume...Assalta-me uma enorme vontade de lho colocar ao pescoço e de ficar com ela. Mas já não a avisto, já não a avisto.
Aquele lenço foi um sinal para mim...aquela mulher existia, ainda que num plano abstracto, ainda que num horizonte longínquo. Só tinha agora que a encontrar e conquistá-la. "

1 comentário:

Su disse...

A primeira a comentar, yupiii! Ora então, muito bonito e muito verdadeiro. O que nos faz gostar mais duma pessoa que doutra? Não sei bem... Acho que é essencial o cheiro, mas também uma mistura deste com o olhar e a forma como colocamos o nosso corpo. A linguagem corporal é meio caminho andado para tudo...
Bjks